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#01-----------------------#
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!
Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!
É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!
É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.
É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!
É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!
É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!
É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasi nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.
Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho,
im riba da ribanceira,
qui fica, assim, pru dibáxo
de um pé de tamarinêra.
Pois, um magóte de môça
quage toda manhanzinha,
foima, assim, aquela tuia,
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de cuia.
Eu não sei pru quê razão,
as águas dessa nacente,
as águas que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê
As águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça
Tem um gostim do suó
do suvaco déssas môça
Quando eu vejo éssa cacimba,
qui inspio a minha cara
e a cara torno a inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá
Desejo, prá quê negá?
Desejo ser um caçote,
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver aquele magóte
de môça tumando banho!
Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.
A mais véia, a mais ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.
A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué cristão
os oiá déssa minina.
Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.
A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.
Dois cuscús, qui, prú capricho,
quando ela passou pru eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro vindo dos bicho.
Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui eu vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.
Inscuiendo a minha cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos dois cuscús!
#02-----------------------#
Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.
Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro
mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo
Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que agüente
Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.
Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído
Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama
Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a feguezia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia
Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada
O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto
No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço
No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente
Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta
Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha
Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro
Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura
pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
pinto cantando quem é
Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo
Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia
Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?
Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês
Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?
No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha
Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?
Em l7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar
Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?
Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião
Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele agüenta o tombo
Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?
Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim
Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil
Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira
E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador
Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira
Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?
Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil
Milanês, você é fraco
não agüenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?
Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique
Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa
Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra
Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro
Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?
Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um palitó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro
Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?
Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçon ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro
Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?
Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro
Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste 1 cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?
Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro
Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?
Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro
Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma idéia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela
Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou
#03-----------------------#
Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida
Oh! que idéia perdida
Oh! que mente tão errada
Dessa gente que enlevada
Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza
E tudo vem a ser nada
Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade
Ali só reina bondade
Nesse mortal orgulhoso
Quer se fazer caprichoso
Vive de venta inchada
Sua cara empantufada
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços todos
E tudo vem a ser nada
Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer
É somente para ter
Que ele se esmoreja
Às vezes chove troveja
E ele nessa enredada
Alguns se põem na estrada
À lama, ao sol ao chuveiro
Ajuntam muito dinheiro
E tudo vem a ser nada
Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores
Ministros e senadores
E mais vultos majestosos
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada
Temos também a espada
De soberbos generais
Comandantes, marechais
E tudo vem a ser nada
Honra, grandeza, brazões
Entusiasmos, bondades
São completas vaidades
São perfeitas ilusões
Argumentos, discussões
Algazarra, palavrada
Sinagoga, caçoada
Murmúrios, tricas, censura
Muito tem a criatura
E tudo vem a ser nada
Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade
A avareza e a vaidade
E quer queira ou não queira
Tudo se torna em poeira
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão divina
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada
Formosuras e ilusões
Passatempos e prazeres
Mandatos, altos poderes
De distintos figurões
Cantilenas de salões
E festa engalanada
Virgem donzela enfeitada
No goso de namorar
Mancebos a flautear
E tudo vem a ser nada
Lascivas, depravações
Na imoral petulância
São enlevos da infância
São infames corrupções
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio
E vivem nesse paleio
E tudo vem a ser nada
Bailes, teatros, festins
Comédia, drama, assembléia
Clube, liceu, epopéia
Todos aguardam seus fins
Flores, relvas e jardins
Festas com grande zuada
Oiteiro e campinada
Frondam copam e florescem
Brilha, luzem, resplandecem
E tudo vem a ser nada
O homem se julga honrado
Repleto de garantia
De brasões e fidalguia
É ele considerado
Mas quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final
E tudo vem a ser nada
Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão
As árvores, a criação
Tudo enfim se finaliza
Até mesmo a própria brisa
Soprando a terra escarpada
Com força descompassada
Se transformando em tufão
Deita pau rola no chão
E tudo vem a ser nada
Infindo só temos Deus
Senhor de toda grandeza
Dos céus e da natureza
De todos os mundos seus
Do Brasil, dos Europeus
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol
Nuvem, lua estrela e sol
Tudo mais vem a ser nada.
#04-----------------------#
Quero que Deus me ajude
Com a inspiração nata
Do poeta popular
Que canta o rio e a mata
Para contar a história
De um grande diplomata.
Falo de Augusto Schmidt
Que foi um grande escritor,
Foi jornalista e poeta,
Um grande empreendedor
E no mundo da política,
Exímio articulador.
Nasceu no Rio de Janeiro,
Mil novecentos e seis,
Nasceu em berço de ouro,
Filho de um casal burguês,
Mas sempre sonhou por fim
À pobreza, de uma vez.
Gozou na primeira infância
Paz, amor, felicidade,
Curtindo os prazeres da
Maravilhosa cidade
Não cedendo nem ao peso
Do peso da obesidade.
Não foi muito de estudar
Mas foi muito de aprender
Até mesmo reprovado
Schmidt chegou a ser
Não gostou de ler cartilhas
Mas ao mundo soube ler!
Mas logo com oito anos
O contratempo chegou
Pra Lausanne, na Suíça,
A família se mudou
E logo veio a doença
Que aos seus pais atacou.
Internos em sanatórios
Seus pais cumpriram um destino
Duro, sofrido, cruel
Marcado por desatino
E não puderam amparar
Os destinos do menino.
Quando completou dez anos
Viu o seu pai falecer;
Ficou sem rumo e sem prumo
Veio embora sem saber
O que faria da vida
Sem ter seu pai pra dizer.
Pra o Rio voltou tangido
Pela guerra mundial;
Voltou banhado de lágrimas
Pra sua pátria natal,
Sem pai, sem paz, mãe doente,
Num desamparo total.
No Rio peregrinou
Sem se enturmar, sem ter vez,
No Colégio São José,
Também no Liceu Francês
E no Colégio São Bento,
Saindo de todos três.
Sua mãe tuberculosa
Se foi dois anos depois
Morar no céu com o marido
E ele, longe dos dois,
Teve que pintar sozinho
O quadro que se compôs!
E eis que a mente se eleva
Por sobre o peito que chora
Não pode pagar colégios
Caros no Rio em que mora
Vai prosseguir seus estudos
Distante, em Juiz de Fora.
Sem ter por quem esperar
Ergue o peito, segue avante,
Arranja logo um emprego
De caixeiro-viajante;
Depois, de comerciário,
Passa a ser comerciante.
E em meio a talões de notas
Pedidos e encomendas
Schmidt foi cultivando
Do saber todas as prendas,
Logo surgiram poemas
Em meio às notas de vendas!
Trabalhava numa casa
Onde vendia tecidos
E artigos de armarinho.
Entre os estoques sortidos
De botões, pentes e panos,
Tinha livros escondidos!
Em meio às vendas frenéticas
Parava sempre pra ler
Na Rua do Ouvidor
Livraria Garnier
E brechava atrás da loja
A Livraria Briguier".
O seu patrão português
Baixava dele o conceito
Dizia: com tantos livros
Para ler, esse sujeito
Jamais dará pra o comércio,
"Esse gajo não tem jeito..."
Mas Schmidt deu o fora
Fugiu do patrão beócio,
Sua energia em excesso
Não lhe permitia o ócio
E ele partiu buscando
Montar seu próprio negócio.
Logo montou um engenho
Pra fabricar aguardente
Com isso foi conseguindo
Dinheiro rapidamente
Até que se transformou
Num empresário influente.
Instalou uma editora
Mostrando capacidade
E assim ficou junto da
Intelectualidade;
Tornou-se o ponto de encontro
Da cultura da cidade!
Empreendedor pé-quente
Sabia calcular risco
Competente, juntou grana
Ligeiro igual um corisco
Montou um supermercado,
Embrião da rede Disco.
Entrosou-se rapidinho
Com a turma modernista
Oswald e Mário de Andrade
E muito nacionalista
E até com Plínio Salgado,
Mas não foi integralista!
Entrou mesmo de cabeça
Na cultura e no seu clima
Lendo, escrevendo em jornais
Cultivando prosa e rima
Com Jackson de Figueiredo
E Alceu Amoroso Lima.
Chegou mesmo a editar
Nomes que viraram heróis
Um Graciliano Ramos,
Uma Raquel de Queiroz
E até um Jorge Amado
Que não tinha vez nem voz.
Editou Gilberto Freyre
Um crítico da realeza
Da Casa Grande & Senzala,
Lúcio Cardoso, a surpresa;
E um Otávio de Faria
Com a "Tragédia Burguesa".
Com Carlos Drumonnd de Andrade
Começou a se entrosar
Foi amigo de Bandeira,
Nosso poeta exemplar
Schmidt ia visitá-lo
Na Avenida Beira-Mar!
Envolveu-se na política
Sem nunca ser candidato
Com direita e com esquerda
Sempre conseguiu bom trato
E achava que pra servir
Não precisava mandato.
Foi dele a última conversa
Com Getúlio no Catete;
Enquanto a oposição
Baixava nele o cacete,
Getúlio traçava o plano
De fugir do tirinete!
Getúlio calmo demais
Em meio ao mar do despeito,
A lama golpista entrando
No Palácio sem respeito
E o velho pronto pra o gesto
De explodir o próprio peito!
Conversavam sobre a fome
Que empanava nossa glória...
No outro dia, Getúlio
Deu a resposta à escória
Pulando fora da vida
E entrando firme na História.
Schmidt então se aliou
Ao mineiro Juscelino,
Jogou suas esperanças
No médico diamantino
No desejo que o Brasil
Achasse um novo destino.
Apoiou sua campanha
Defendeu-lhe com afinco,
Das portas de uma vitória
Deu-lhe a chave, abriu o trinco,
Criando até o slogan
"50 anos em 5"
Pra Juscelino, Schmidt,
Resolveu muitos problemas
Articulava os apoios