Para o professor
Objetivo específico: perceber que a interpretação de uma imagem passa pelo cérebro e que, por este motivo, relações matemáticas presentes na imagem, como congruência, podem não ser compreendidas como tal.
Observações e recomendações:
- Os dois exemplos a seguir mostram que a parte visual do nosso cérebro pode não reconhecer movimentos de translação e rotação como isometrias.
- Para o segundo item do exercício, sugerimos o uso da construção GeoGebra disponível no endereço <https://www.geogebra.org/m/BNCePM5C>, com a qual é possível visualizar dinamicamente que os três carros são congruentes por meio de um carro extra e de um contorno que podem ser movidos na construção.
- Para o segundo item do exercício, sugerimos o uso da construção GeoGebra disponível no endereço <https://www.geogebra.org/m/mFSV2Mp6W>, com a qual é possível visualizar dinamicamente que os paralelogramos que são as tampas das mesas são congruentes por meio de um paralelogramo congruente intermediário.
- Caso haja interesse da turma, o tópico de ilusões visuais pode ser aprofundadado, por exemplo, por meio de um projeto. Nesta linha, o livro [Shapiro-et-al-2017]_ traz um compêndio atual no contexto da Psicologia. Ilusões visuais são mais do que fatos curiosos, como mostra o livro "Fisiologia Aeroespacial: Conhecimentos Essenciais para Voar com Segurança" de Thais Russomano e João de Carvalho Castro (2012), para a área de aviação.
(Ponzo) Observe a :numref:`fig-proj-ponzo`. Qual carro é maior na imagem?
(Shepard) Observe a :numref:`fig-proj-shepard`. Qual mesa é mais comprida na imagem?
Resposta
- Tipicamente, as pessoas quando veem a :numref:`fig-proj-ponzo` acham que os carros têm tamanhos diferentes, sendo o carro mais acima na rua considerado o maior. Contudo, na imagem, os três carros têm o mesmo tamanho! Este tipo de viés de interpretação foi primeiro demonstrado pelo psicólogo italiano Mario Ponzo (1882-1960). Ele sugeriu que a mente humana usa o que está em torno de um objeto para julgar o seu tamanho.
- Tipicamente, as pessoas quando veem a :numref:`fig-proj-shepard`, acham que a mesa à esquerda é a mais comprida. Contudo, na imagem, as duas mesas têm as mesmas medidas! De fato, os paralelogramos que são as tampas das mesas são congruentes! Este tipo de viés de interpretação foi primeiro publicado pelo cientista cognitivo Roger Newland Shepard (1929-) em seu livro Mind Sights de 1990.
Os dois exemplos apresentados na atividade anterior mostram que o ato de ver e compreender uma imagem não se encerra na própria imagem, mas depende da maneira que nosso cérebro processa toda a informação e se ajusta ao estímulo visual.
Psicólogos têm mapeado outras situações onde nosso cérebro faz adequações visuais subjetivas ao contexto: forma, cor, iluminação, distância, localização e movimento. Mais ainda: não só o sistema visual é afetado por ilusões, os demais sentidos também o são. Um exemplo clássico é o Efeito McGurk que mostra como o que você vê altera o modo como você ouve! Experimente você mesmo por meio do vídeo <https://goo.gl/k241EQ> no YouTube.
O fato de nosso cérebro estar sucetível a estes tipos de ilusões pode parecer um defeito a princípio mas, como mostra o cientista cognitivo Donald Hoffman nesta palestra TED, isto é resultado de um processo evolutivo que garantiu a nossa sobrevivência.
Outro aspecto da interpretação de representações 2D de objetos 3D se refere à questão de ambiguidade: um mesmo desenho plano pode ser a representação de objetos tridimensionais diferentes. Considere, por exemplo, a Imagem (A) na :numref:`fig-proj-ambiguidade-01`. Ela pode ser a representação de um cubo visto de cima como na Imagem (B) ou de um cubo visto de baixo como na Imagem (C).
De fato, a Imagem (A) pode até mesmo nem ser a representação de um cubo, como mostra a animação da :numref:`fig-proj-ambiguidade-02`. A Imagem (A) é conhecida como :index:`Cubo de Necker`, em homenagem ao cristalógrafo Louis Albert Necker (1786-1861) que observou este tipo de ambiguidade em 1832.
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Versão interativa: <https://goo.gl/CXR6AG>.
Compreender como vemos e interpretamos representações 2D de objetos 3D obtidas por projeções centrais e paralelas é uma habilidade importante que afeta o modo de nos cuminicarmos e interagirmos com o mundo.
Para refletir
Se nosso cérebro distorce os estímos que recebemos do mundo a nossa volta, como saber o que é real?
Para refletir
Será que uma pessoa que nasceu cega mas que, posteriormente, recuperou sua visão, saberia ver de imediato? Ou seria necessário "ensiná-la a ver"? Como saber, por exemplo, onde a imagem de um objeto termina e a imagem de outro começa? Esta palestra TED discute esses assuntos, mostra a importância do movimento no processo de se "aprender a ver" e conta como o trabalho do neurocientista indiano Pawan Sinha tem mudado a concepção sobre os mecanismos da visão e, também, as vidas de muitas crianças que nasceram cegas.
Para o professor
O livro [Duval-2011]_ é uma excelente introdução para as questões de representações semióticas no Ensino da Matemática.
Para refletir
Todas estas questões de representações e significados fazem parte da :index:`semiótica`, disciplina que se ocupa do estudo dos signos e dos processos significativos na natureza e na cultura. Os signos, aqui, não estão restritos à desenhos em uma folha de papel. Eles podem ser qualquer veículo de significação ou representação de um objeto, de um conceito ou de uma ideia, como textos, sons e gestos. Um dos pontos destacados pela semiótica é a distinção entre a representação de algo e este próprio algo. Um exemplo clássico é dada pela pintura na :numref:`fig-proj-semiotica-01`. O que é que está na pintura? Se você respondeu "cachimbo", saiba que a legenda em Francês "Ceci n'est pas une pipe." tem como tradução "Isto não é um cachimbo.". Segundo o autor da pintura, o surrealista belga René Magritte (1898-1967), ele não poderia escrever o contrário, pois a pintura não é um cachimbo, mas uma representação de um cachimbo. O nome da pintura: "A Traição das Imagens".
Uma vez que a comunicação se dá por meio de signos, a semiótica é de interesse para muitas áreas: Propaganda, Cinema, Ciência, Literatura, Religião … Em Matemática, o aspecto semiótico é fundamental, como aponta [Pinilla-2007]_:
É importante ter em mente que os conceitos matemáticos não existem na realidade concreta. O ponto P, o número 3, adição, paralelismo entre retas não são objetos concretos os quais existem na realidade empírica. Eles são conceitos puros, ideais e abstratos e, desta maneira, eles não podem ser "exibidos empiricamente", como em outras Ciências. Em Matemática, os conceitos só podem ser representados por um registro semiótico determinado. De fato, em Matemática, não trabalhamos diretamente com os objetos (isto é, com os conceitos), mas com suas representações semióticas.
Caso você queira saber mais sobre semiótica, recomendamos começar com o livro "O que é semiótica?" da Coleção "Primeiros Passos" da Editora Brasiliense ([Santaella-1998]_).
Observação
No que se segue, iremos estudar duas formas de representação bem específicas: aquelas obtidas por projeções em perspectiva e projeções paralelas.
As projeções em perspectiva fornecem um modelo matemático para a visão humana e para dispositivos óticos (como câmeras) e o estudo deste modelo auxilia na compreensão de como vemos, comunicamos e interagimos com o mundo. As projeções paralelas, por sua vez, fornecem uma representação mais simples e mais fácil de se entender e, por este motivo, elas têm sido utilizadas para a confecção de ilustrações em várias áreas: Arquitetura, Engenharia, Biologia, Física, etc.
Cabe observar que projeções em perspectiva e paralelas fazem parte das habilidades espaciais as quais, por sua vez, constituem um dos tipos reconhecidos de inteligência humana ([Gray-et-al-2004]_, [Gardner-2011]_).
As habilidades espaciais são particularmente críticas para profissões relacionadas com as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), conforme apontam vários estudos recentes ([NRC-2006]_, [Uttal-et-al-2012]_, [Khine-2017]_, [Newcombe-2017]_).
Mesmo no dia a dia, é importante, por exemplo, saber interpretar os diagramas 2D de objetos 3D que descrevem como montar uma cama, colocar um cartucho em uma impressora, abrir a porta de emergência do avião, descobrir a saída de emergência mais próxima em um hotel ou em um estádio de futebol (mapa de fuga, saídas de emergência), etc.
Mapa do circuito de visitação do terceiro andar do Aquário do Rio de Janeiro (fonte: Joselí Maria Silva dos Santos).
Como veremos, as representações obtidas por projeções em perspectiva e projeções paralelas possuem propriedades bem específicas. Reconhecer e usar essas propriedades adequadamente é importante para você entender e se fazer entender em termos de comunicação visual.
Para refletir
Poema do poeta, pintor, ilustrador e entalhador William Blake (1757-1827).